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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

SOCIEDADE, TRADIÇÃO, CULTURA E EDUCAÇÃO - A LINGUAGEM - contribuições do Prof. Rubem Barboza Filho

É comum hoje em dia quando falamos da escola, elencarmos problemas como: escolas em áreas de vulnerabilidade social, professores desestimulados, alunos desinteressados, violência na escola, público diverso e a necessidade de saber lidar com essa diversidade no ambiente escolar, resultados insatisfatórios no rendimento escolar, índices consideráveis de repetência, abandono escolar, entre outros. Diante desse ‘muro de lamentações’ ficam no ar os questionamentos: como a escola responde a esse mundo de diversidade (?), como a escola corresponde a sociedade atual (?), quais as palavras que poderíamos associar a escola que expressasse seu significado na nossa sociedade (?).
Segundo o Professor Rubem Barboza Filho (2012)¹ se fizermos essa pergunta sobre ‘o que a escola significa’, relacionada à sociedade francesa, poderemos associar palavras como: trabalho, aprender, refletir, comunicar, escutar – que nos traduz racionalidade, alinhada com o pensamento Republicano, com o governo. Assim podemos dizer que a escola francesa é a “expressão da tradição francesa republicana, ao princípio de que todos são iguais, numa escola que sabe o que quer, numa sociedade que tem clareza sobre esse querer, que tem tradição”.  Ainda segundo o autor, se direcionarmos essa mesma indagação aos norte-americanos, poderemos associar palavras como: esporte – treinar o corpo pra disputa sobre regras – na faculdade: argumentação, treinar pra melhor argumentar (típico de uma sociedade democrática). Podemos dizer que o que prevalece para os norte-americanos é o pragmatismo, onde materializam os valores e fundamentos da revolução americana, da guerra civil, onde a liberdade e igualdade se faz criando cidadãos responsáveis pela sua ação, sua tradição republicana. Percebemos com facilidade a perpetuação do ideário do herói americano, nos meios de comunicação em massa, como no cinema, na televisão, nos gibis e na própria escola.
Mas ao trazermos esse questionamento para a nossa sociedade brasileira, como responderíamos essa questão? Quais seriam nossas referências e quais palavras estariam associadas ao significado de nossa sociedade e de como a escola elabora essa significação no seu cotidiano? Considerando o nosso processo civilizatório, Barboza Filho (2008) destaca que o processo brasileiro foi fruto de miscigenação, foi de “baixo para cima” (contrário ao processo europeu que se deu e ainda o é, de cima para baixo). Compreendemos assim, ao analisarmos nossa história de colonização que a noção de império é diferente da noção de república, não havendo a intencionalidade no império de considerar todos iguais, com os mesmos direitos. A análise de nossa história é fundamental na tentativa de localizar as nossas significações e referências, mas é também nessa retrospectiva que nos deparamos com um cenário oscilante, onde o movimento parece ser sempre no sentido de iniciar um novo tempo, apagando o anterior, ou seja, desconsiderando o processo histórico de construção dessa nossa identidade, do que poderíamos chamar de ‘tradição brasileira’. Podemos dizer que no Brasil “nós destruímos todas as nossas identidades prévias – não temos passado – nós nos fizemos desgarrados das nossas culturas ancestrais”.
O precitado autor nos lembra que não temos no Brasil um discurso hegemônico, ele é ainda um grande mistério pra nós e isso acaba sendo custoso para a escola, o que não a imobiliza, pelo contrário, faz da escola um lugar fundamental e privilegiado de refletir sobre o lugar aonde ela está, localizar as suas referências com base nas referências daquela comunidade. Na nossa trajetória, não fomos um sociedade ordenada pela Coroa, por quem nos ‘governou’, no início da formação de nossas comunidades. Fomos uma sociedade que foi se fazendo, criando seus tipos, suas formas de sociabilidade, de expressão. E falando em expressões, importante referência pra compreender nossa tradição, são as expressões artísticas. Se considerarmos que Minas Gerais se fez essencialmente por mestiços, mesclando, no decorrer da história, escravos imponentes, que eram príncipes em suas tribos, com escravos trabalhadores que entendiam de mineração; portugueses pobres, que vieram atrás do ouro e intenção de fazer fortuna e voltar pra Portugal, com portugueses do norte de Portugal, já mais letrados – a expressão do barroco mineiro não fica limitada a expressão de uma arte, mas sim de uma forma de vida, visível nas cidades mineiras referência desse período.
Quando voltamos nosso olhar para Ouro Preto, por exemplo, não contemplamos um simples cidade com obras de arte, mas sim a própria obra de arte, o teatro de uma sociedade, ao mesmo tempo que é a expressão do que se quer ‘desenhar’ para uma sociedade. Barboza Filho nos lembra que na retórica de Aristóteles convencemos as pessoas pela imaginação e não pela razão, com a imaginação nós podemos mexer com as emoções, com os afetos das outras pessoas – o Barroco elege a capacidade de persuadir as pessoas como seu mote – teoria da verossimilhança – eu mexo com a alma do outro a partir de algo que já existe na mente da pessoa, levando essa referência para o seu imaginário. Persuasão, segundo Aristóteles, é a única forma de construir uma cidade, uma civilização. O Professor Rubem destaca que no Barroco as pessoas precisam se “fenomenizar”, ou seja, deixar claro o conceito na sua própria representação, não existindo o oculto, o que não é visualizado. Assim, o homem barroco é em si teatral e o mundo barroco é o mundo da arte – “não adianta o rei dizer que era rei, ele precisava criar uma ‘teoria barroca’ do rei”.
Mas como todas as nossas grandes disputas tinham as disputas de terra como base, o movimento da Primeira República, segundo o autor, foi a expressão as vontade da oligarquia rural, que vence a vontade do Imperador – “Dom Pedro não governou para os interesses das elites, dos latifundiários, da classe economicamente dominante”. Com a independência ocorreu uma ruptura com o movimento ocorrido em Ouro Preto, com o desenvolvimento de uma sociedade de ‘baixo para cima’. Prevaleceu a partir daí o ideário de um Estado progressista, que buscou se desenvolver a partir das referências européias. A tradição popular foi obscurecida pelo romantismo fantasioso, pois ao contrário do Barroco, o Romantismo trabalha com o inverossímil – é a fabulação das narrativas para a reconstrução arbitrária de uma tradição. Renegamos definitivamente o movimento ocorrido em Ouro Preto (que foi uma cidade com um enorme potencial democrático), surge Belo Horizonte que assume a vez de capital, e traz consigo a representação da razão.
Não ocorreu com o ideário romântico a pretensão de recriar a história do Brasil, mas ao eleger como base a natureza, o Romantismo brasileiro renega a fenomenização do que obrigatoriamente precisava ser experenciado visualmente no movimento barroco e ao fazer isso, renega a própria tradição cultural construída até ali. E vai buscar as referências no que existiu até mesmo antes de nós, a natureza e o índio integrado a ela. A arte romântica cria uma realidade que não é a expressão do real, onde prevalece o símbolo, onde a forma e o conteúdo se harmonizam, se encontram – “ele busca o real de nossos sentimentos”. A Nação passa a ser vista como uma comunidade imaginária e os países são subjetividades buscando sua própria interioridade. Mas se considerarmos que somos sentimentais, emocionais, podemos dizer que o romantismo faz parte da tradição brasileira. Mas em termos de referência, de significados, vale questionar a prevalência desse imaginário na história do Brasil e a forma como a escola lida com essas fantasias e com a prevalência desse imaginário.

A LINGUAGEM

Ao passearmos rapidamente por nossa história, provocando reflexões sobre nossa cultura e tradições e a construção de nossos ideários, significados e referências, temos a linguagem como representação de um povo, como a própria razão desse povo, pois a língua está presente em tudo, na palavra, nos gestos, nas ações, etc. Barboza Filho ressalta que a verdade sai do campo dogmático e vai para o campo da linguagem e que toda língua tem seus espaços de razões, sendo que quem cria a língua, um ‘jogo de linguagem’ é a experiência concreta da sociedade, de seu povo. Mas o autor também nos lembra que a língua não é só o território da liberdade, ela é também o território da tradição e precisamos conhecer e dominar a sua tradição para podermos realizar os diferentes jogos de linguagem. Essa compreensão é fundamental principalmente na escola, que se apropria da língua e de suas regras como se fosse dela, levando muitas vezes os alunos a pensarem que eles não sabem a própria língua. Se existe diversas possibilidades de ‘jogos de linguagem’, não podemos dizer que o aluno ‘fala errado’, na verdade ele está usando um determinado ‘jogo de linguagem’
Observando os conjuntos específicos de formas de vida que estão presentes na nossa linguagem, considerando a sociologia, podemos destacar três linguagens: a linguagem dos interesses, da razão e dos afetos. Na linguagem do interesse cada um de nós existe antes da sociedade, temos nossos direitos individuais que não nos podem ser negados (pensar, ir e vir, etc.), nessa vertente de linguagem a sociedade se organiza como um contrato entre indivíduos, estes criam a sociedade e o mecanismo que distribui justiça: o mercado, onde todos entram no ‘mercado’ com os mesmos direitos e deveres, esse ‘mercado’ é livre e racional – cada um persegue seu próprio ‘bem’. Ao Estado cabe a garantia da realização desses direitos, permitindo que cada indivíduo usufrua daquilo que elegeu como sendo o seu ‘bem’ – não é o Estado fazendo pelo indivíduo, mas dando condições pra ele fazer. Nesse tipo de linguagem está a prevalência do ideário norte-americano, a tradição da sua sociedade.
Na linguagem da razão, segundo Descartes, o homem existe depois da sociedade. Referenciando Kant quando afirma: “haja de tal maneira que sua idéia possa ser universal”, percebe-se que quem tem que ser preservada é a comunidade, o interesse social. Aqui encontramos o ideal francês.
Já para a linguagem dos afetos, o homem só existe nas suas ‘relações sociais’, buscando criar formas de relação que revelem e desenvolvam as nossas potências, nossas capacidades, chamado por Marx de “modos de produção”. Também como referência na defesa dessa linguagem, Aristóteles, São Thomas, as religiões.
Voltando para a questão escolar, percebemos que a escola precisa entender e harmonizar as tendências dessas três linguagens – “no processo pedagógico, as três linguagens precisam estar presentes”. Voltando a questão inicial, dos ‘problemas escolares’, com essa reflexão percebemos ainda que as amarras que prendem o fazer escolar, impedindo que ele se faça de forma mais produtiva para todos e menos sofrível, é a insistência em forçar modelos, ou linguagens que não correspondem ao que realmente somos. Como destaca Barboza Filho, tendemos a conceber a escola como a que doutrina, impositiva, de cima para baixo, definimos um modelo francês de escola, mas nossos alunos não são franceses, a escola tem que corresponder aos nossos próprios vínculos, caso contrário, a clientela continuará ficando alijada, longe da escola.

¹ BARBOZA Filho, Rubem. As Linguagens da Democracia. RBCS Vol. 23 n.o 67 junho/2008. [Semana Presencial no Curso de Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública – CAEd/UFJF. Julho de 2012.

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